Encontro
(Três pintores e um poeta)
Salão de Belas Artes
de Rio Claro. Junho de 1983. Renato Wagner havia recebido Medalha de Prata por
seu belíssimo trabalho retratando uma paisagem de Monte Alegre, Pacheco Ferraz
havia ganhado prêmio aquisitivo, Olavo Ferreira da Silva fazia parte do corpo
de jurados.
Esse mesmo Salão fez
uma homenagem ao pintor piracicabano Archimedes Dutra, expondo cerca de
sessenta telas numa retrospectiva de sua obra que durante o tempo que ficou em
exposição se tornou póstuma, pois Archimedes veio a falecer em primeiro de
Julho e era o grande ausente na noite.
Terminada a cerimônia
do vernissage, Pacheco convidou ao Renato, ao Olavo e a mim para um jantar onde
ele queria ser o anfitrião, pagando a conta dos amigos.
Por um segundo sequer
passou pela cabeça de seus três amigos que algo pudesse acontecer, pois Pacheco
prezava pela displicência e por esquecimentos memoráveis. Mas saímos e fomos
jantar no belíssimo restaurante Akamine. Pacheco aquela noite
estava especialmente inspirado e para quem o conheceu sabe o que isso
significava: ficava ele recordando sua primeira ida a Paris nos anos 25 a 28, onde levado por
Alípio Dutra foi estudar pintura. Ele falava muito, misturava ao português o
espanhol, o inglês e o francês, línguas que dominava com mestria.
Pacheco pediu a carta
de vinhos, escolheu três garrafas de uma boa safra, pediu o jantar para todos
nós. Enquanto isso a gente o ouvia com atenção, pois suas histórias eram
magníficas, recheadas de humor e de improvisos.
Às tantas, Pacheco
dizia que queria me dar uma tela de presente, pintada em papel pardo, que ele
havia pintado e recortado toda para usar numa sala de aula. Vibrei com o
presente. Ele dizia que precisava de restauro ao que Renato Wagner prontamente
se dispôs a fazer. Oba! Ganhei um quadro do Pacheco, pensei.
Aqui abro um
parêntesis (fui buscar no dia seguinte a tela e ele não me queria dar, pois
estava toda danificada mesmo. Mas tanto insisti que ela havia me dado e que o
Renato iria fazer a restauração necessária, que ele decidiu, sob minha promessa
de que se após o restauro ele não aprovasse, a tela então seria destruída. Mas
ele gostou tanto do restauro que o Renato fez que até assinar a tela ele
decidiu, 15 anos depois, fazer). Fecha parêntesis.
Votando ao jantar em Rio Claro. Pacheco
e nós comemos muito. Bebemos mais ainda. Pacheco pediu mais vinho que foi
servido e devidamente tomado por todos nós.
Ia me esquecendo: O
Olavo não bebia. Tomava apenas refrigerante. O Renato embora preferisse beber
cerveja sem gelo, caiu numa taça de bom vinho. Agora o Pacheco: vinho bom,
amigos por perto, boa comida e ele inspirado...
Mais de duas da
manhã, restaurante com cara de sono, a conta nos chega. Pacheco a toma nas
mãos, mete as mesmas no bolso, vira, revira, torna a enfiar as mãos nos bolsos
da calça, do paletó e cadê dinheiro! Com aquela cara alterada pelo vinho, nos
diz: esqueci o dinheiro! Só tenho o cheque que recebi da minha premiação. Eu
estava assim um tanto desapercebido mesmo. Havia levado quase nada. Olavo começou
a rir e Renato Wagner salvou a nós todos: abriu sua carteira, sacou o talão de
cheques e pagou ele sozinho a despesa da noite que não ficou muito doce, não,
mas um tanto salgada pelas garrafas de bom vinho ali sorvido e pela boa comida.
Como havíamos ido de
carona com o carro do Renato, voltamos a Piracicaba. Pacheco estava amuado por
ter nos convidado para um jantar que não pode pagar. Eu e o Renato
conversávamos e ríamos muito do episódio. Olavo ria muito.
Passados quase 30
anos estou aqui, a contar essas reminiscências entre um jovem poeta e três
consagrados pintores piracicabanos de quem fui muito amigo e hoje tanta saudade
me trazem.
Esio Poeta
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