Frente a frente
(Para meu amigo Padre Galhardo)
A tarde vasquejava o seu tom agoureiro.
O corpo de Jesus pregado no madeiro
Mostrava o quão brutal Ele havia sofrido.
O vento uivava forte, o frio era sentido,
E eu em meu sonho negro olhava aquela cena:
Fixas, as suas mãos eram sangue e gangrena;
Vidrento, o seu olhar mostrava sofrimento.
E eu solitário ouvia o murmúrio do vento
Esbravejando fogo em chicotadas frias.
Mas onde estão Senhor, as tuas companhias?
Somente eu de tocaia, em meu cismar oculto
Ainda estou aqui vendo seu triste vulto.
Eu que pude lhe dar a chance mais suprema
De a todos se mostrar... Urdi o estratagema:
Vendi-O sim, não nego e o que fiz foi somente
Supremo ato de amor. Eu estava consciente,
Mas tu, Senhor Jesus, nada fizeste, nada.
No instante de terror Sua alma abandonada
Omitiu-se em silêncio e em silêncio ficaste.
E eu ouvi-O dizer: “Por que me abandonaste?”
Por que Teu Pai do céu aqui abandonou-O?
Se quisesses, Jesus, legiões de anjos em voo
Viriam te acudir, te salvar de Pilatos.
Mas escolheste enfim os mais horríveis atos:
Deixaste-te prender. Abandonado e mudo
Nada fizeste Tu que podias ter tudo.
Agora te contemplo ao madeiro pregado.
Estás morto. Estás só. Estás abandonado
Por quem jurava dar-te a sua própria vida.
Mas eu, Senhor Jesus, com a alma condoída
Eu te ofereço a minha. É uma troca bem justa.
Viver já não importa e a vida não me custa.
É negra a solidão. É negra e apavorante!
Virão atrás de mim. Eu já pressinto o
instante
Que irão me colocar frente a frente aos meus
atos.
Irão vilipendiar-me e urdirão desacatos,
Mas o que fiz Senhor Jesus – foi o correto.
Não agi por prazer. Foi um ato concreto.
Eu cria tanto em ti e mesmo sempre ausente
De tudo o que fizeste eu sempre fui um
crente.
Pois é, Senhor Jesus, o fato é consumado.
E tudo o que ontem fiz está morto e
enterrado.
Falta agora, Senhor, que um’alma pura e boa
Se condoa de ti, da morte se condoa,
E tirem-te Senhor, deste horrendo madeiro.
Anoitece por fim. A noite e seu nevoeiro
Toldam minha visão. Eu estou de partida.
Não sei o que será da minha própria vida.
Com as sombras me cubro. Uso velho capote
E despeço-me aqui. Judas Ish-Kiriot.
22.12.2014
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