Lendas
Para finalizar o mês de Agosto, de tantas tradições, deixo aqui gravado aos amigos que visitam este blog, o Canto VII de meu Poema "Os Caipiras", onde narro algumas das lendas contadas em nossa cidade. Creio que vale como lembrança neste folclórico mês agostino.
Eso
Canto VII
I
Piracicaba
é mesmo muito mística,
E
repleta de lendas e mistérios.
Embora
seja uma cidade artística,
De
homens inteligentes, sábios, sérios,
Ela
mantém sua característica
Até
dentro de nossos Cemitérios.
Um
túmulo no meio do caminho
É
motivo de eterno burburinho...
II
– “Por
que este túmulo em lugar errado
Se
outros estão em plena simetria?
E que
defunto aqui foi enterrado?”
E logo
alguém, com bela alegoria,
Conta
a história de um tempo já passado
Todo
ele envolto em sepulcral magia:
–
“Acaso desconheces, meu compadre,
Que
aconteceu quando morreu o Padre?
III
– “A
velha entrada da Eternal Morada
Antigamente
era na Independência;
E,
quando numa tarde ensolarada,
Padre Galvão com Deus foi ter audiência,
Sua
carcaça aqui ficou prostrada
E
ninguém conseguiu, em sã consciência,
Carregar
seu caixão... e foi o cúmulo!
Tiveram
que erigir aí seu túmulo!
IV
–
“Isso, compadre, já faz muitos anos
E hoje
parece até que foi mentira.
Mas nos
anais caipiracicabanos
Ninguém
mais se arrepia, nem se admira.
A alma
do Padre estava em outros planos,
–
Embora fosse um’Alma bem Caipira;
Porém,
a história que te conto agora,
Correu,
de boca em boca, mundo afora...”
V
E
outros túmulos fazem a visita
Obrigatória
deste Cemitério...
A
Maria Maniero, se cogita
Que é
uma Santa... Pode ser mistério,
Crente,
a população toda acredita
Em sua
força e em seu poder etéreo!
–
Novenas, velas, rezas, romarias,
O seu
túmulo tem todos os dias...
VI
A
lenda diz ser água milagrosa,
Outros
dizem, porém, ser fantasia,
Essa
história também é bem famosa
E cabe
dentro desta alegoria:
De um
túmulo, uma fonte misteriosa,
Verte
água fresca e não se passa um dia
Que
não exista ali alguém rezando,
Inquirindo,
pedindo, suplicando...
VII
É o
túmulo que mais contém promessas.
Centenas
e centenas de chupetas
E de
criança as mais variadas peças
Ali
são penduradas... São roupetas,
Brinquedos,
mamadeiras e compressas,
Fotografias,
velhas camisetas,
O
milagre em semanas acontece,
Basta
fazer uma piedosa prece.
VIII
Pode
até ser que seja fantasia,
Tudo
não passe de folclore ou lenda,
O
sobrenatural, porém, é o guia,
Que
entre preces – o povo reverenda.
Tudo
escrever em nome da heresia
É
perigoso que, mais estupenda,
(Embora
pouca gente tenha visto)
Foi a
ressurreição de Jesus Cristo!
IX
Outra
lenda que até hoje ainda é contada
E que
chega a causar torpor e espanto,
É uma
história que tem alma penada
E está
toda imbuída de quebranto.
Aconteceu
que em certa madrugada,
Dois
moços embriagados e, portanto,
Fora
do raciocínio mais perfeito,
Uma
aposta fizeram de atro efeito.
X
Um
deles deveria, em noite incerta,
Visitar
o sombrio cemitério
À
meia-noite e ali ficar de alerta
Para
espantar todo e qualquer mistério
Que
pode haver além da morte certa.
– Na
Cidade dos Mortos, onde o império
É
sombrio, medroso, desespera,
E as
almas vivem livres da quimera.
XI
E
conta-se que após o pacto feito,
Como a
provar seu ato de coragem
Dentro
do Cemitério, havia um jeito:
Para
marcar ali sua passagem
E que
seria um álibi perfeito
Onde
fosse fazer sua paragem –
E para
enaltecer assim seu ego,
Fincaria
no chão um grande prego!
XII
Em
certa noite atroz de chuva e frio,
Usando
velha e já surrada capa,
–
Noite que de pensar causa arrepio –
Estudou
cuidadosamente o mapa:
Quando
parda coruja deu um pio,
– Pio
noturno que na noite escapa! –
Rente
a uma tumba velha e abandonada,
Fincou
o prego em forte martelada...
XIII
O
clarão de um relâmpago transunto
Riscou
o céu num fulvo bruxuleio...
Tentou
sair correndo, ir para junto
De
mais pessoas, mas... em seu anseio,
Pensou
que o segurava algum defunto
E
gritando de susto e de receio,
Não
percebeu que em sua atra afoiteza,
A capa
ao prego ele deixara presa...
XIV
Apavorado
por se ver seguro,
Um
enfarte cardíaco violento
Na
mesm’hora no chão prostrou-o duro...
Soprando
bem mais forte, o rude vento,
Assobiava
passando junto ao muro...
E
quando o sol, do dia trouxe o advento,
Foram
achá-lo rente à tumba, absorto,
Escaveirado,
horripilante, morto!
XV
Um
outro fato que merece crédito
Embora
muita gente até duvide,
Fato
que pode parecer inédito
E ao
incrédulo cause até revide,
E ele
solte risadas de descrédito,
Esse
mistério esplêndido reside
Junto
de nosso estrepitoso Salto
E esta
verdade até provoca assalto!
XVI
Sendo
fábula é mais que uma verdade...
Todas
as noites, na quietude enorme,
Que o
silêncio tem ares de saudade,
O
Salto, por segundos, também dorme...
Parece
até que alguma Divindade
Amaina
a sua fúria rotiforme,
Mas em
segundos sua força volta
E seu
estrugitar aos ares solta!
XVII
Também
existe a lenda apavorante
Da
Inhala Seca... Ainda causa medo
E, do
Morro do Enxofre, bem distante,
A
gente passa por saber o enredo
Dessa
mulher que em fúria anavalhante,
Teve
um viver amargo, ácido, azedo.
E
dizem que era má e que tratava
Com
modos maus a sua gente escrava.
XVIII
Gostava
de impingir cruéis castigos
E aos
escravos, tratava com chicote.
Víveres
não lhes dava, nem abrigos,
E nas
noites, sequer um dúbio archote.
Chegava
a lhes negar até jazigos
Como a
bênção final de um sacerdote.
A
Inhala Seca assim de forma austera
A
todos era mais que uma megera.
XIX
E
foram tantas suas malvadezas,
Que
ela teve um castigo merecido:
Quando
a morte cruel pelas devesas
Entrou
em suas terras, num gemido,
Não
houve ladainhas, preces, rezas,
Mas um
contentamento irreprimido,
A
Inhala Seca com a sua morte
Trouxe
aos escravos inaudita sorte.
XX
E
assim como era má, também não teve,
Quem,
a seu corpo, desse sepultura;
Fétido
e esbranquiçado como a neve
Ficou
largado como a desventura
Que a
fazer coisas boas não se atreve.
Assim
seu corpo, pela noite escura,
Ficou
apodrecendo a céu aberto
Pondo
mau cheiro a quem passasse perto...
XXI
Sua
carcaça, por não ter enterro,
Hoje
vive vagando sem piedade...
Nas
noites erra ao léu, soltando um berro,
Procurando
fazer sua maldade.
Pega
crianças, leva-as num aterro,
E age
somente com perversidade,
E é no
Morro do Enxofre que ainda mora
Essa
Inhala que a tantos apavora...
XXII
No fim
dos tempos, diz também a lenda,
Que
vai haver horrendo pandemônio.
É para
ter início tal contenda
Em
frente à Catedral de Santo Antônio:
Visão
fantasmagórica, estupenda,
Parecerá
ser coisa do demônio:
Pois
do ventre da terra, que soçobra,
Irá
surgir horripilante cobra...
XXIII
Este
reptil de proporções imensas,
Sob a
cidade vive em ansiedade,
E a
ele vai ser inútil ter-se crenças,
Que
irá tudo engolir sem ter piedade.
Assim
várias pessoas passam tensas,
Com
medo de viver nesta cidade,
Pois a
cobra nefasta, com certeza,
Tudo
irá destruir da Natureza!
XXIV
Antigamente,
muito antigamente,
Bem
antes de existir Piracicaba,
Neste
recanto belo e reluzente,
Quando
aqui nem havia um emboaba
Que
fizesse crescer a fúria ardente
Do
Cacique-pajé morubixaba,
Nosso Rio
era calmo e não possuía
O
Salto esbravejante de porfia...
XXV
Dessa
época perdida na distância,
Quando
dos Paiaguá guerreira tribo
Mostrava
toda a sua exuberância,
Alimentando-se
de peixe e cibo
Que na
região havia em abundância,
Que os
índios eram rápidos no estribo
Para
caçar a gorda capivara
Que de
seu bando atroz se descuidara...
XXVI
Dessa
época perdida no passado,
Que as
mulheres vestiam-se de pedra
Para
ocultar as partes do pecado,
Que a
paisagem de forma poliedra
Era um
caleidoscópio iluminado,
Onde o
sonho, na mente ardente medra,
E traz
inspirações e devaneios
Que
fazem palpitar os rubros seios...
XXVII
Dizia-se
dessa época tão linda,
Que
uma aldeia de rudes pescadores
(Que
aqui vivia numa paz infinda
Co’os
Paiaguá – há muito moradores
Que de
caça viviam na berlinda)
Tinha
no coração ternos amores
Por
uma índia que, em noites de alva lua,
No Rio
se banhava toda nua...
XXVIII
Os
seus seios, em forma de alabastros,
Eram
eretos, firmes e pontudos...
Seus
olhos eram dois brilhantes astros
Cintilando
a distância, em céus agudos...
E os
cabelos de luz negros, desnastros,
Para
os seios formavam dois escudos,
Quando
ela, num sonhar airoso e lindo,
Sobre
as pedras, quedava-se dormindo.
XXIX
Porém,
um pescador, a passo intrépido,
Uma
noite seguira a índia formosa...
O
olhar – na noite atento! o passo – lépido!
Somente
descansou ao ver a rosa
À
beira-rio em devaneio tépido
Desnudar-se
e ficar maravilhosa,
Deslumbrante,
tingida pelos raios,
Que a
alva lua jorrava entre desmaios...
XXX
Ness’hora,
– coração em rubra chama, –
Não
pode se conter... foi para perto
De
onde brilhava a sua etérea dama
E
pouco mais se vira descoberto
Pela
bela índia que socorro clama...
E ao
se ver, nua e só, de peito aberto,
Tenta
fugir, mas leva em seu encalço,
As
chamas de um amor em doce balso!
XXXI
Doida
corrida!... aqui, ramos de espinhos
Prendem
chusmas de sua cabeleira...
Mais
além, insinuantes burburinhos,
Fazem
a alma gemer de tremedeira...
Tenta
se aventurar noutros caminhos
Mas
sente-se perdida na canseira...
Para.
Espreita. E percebe a amplos espaços,
A
cadência frenética de passos...
XXXII
Quando
a lua no céu se descortina
E se
mostra no cosmos mais brilhante,
Ela
deixa a inocência de menina
E se
envolve num sonho fulgurante...
Dos
astros soa celestial buzina
E ela
vendo-se só na noite ebriante,
Sentindo
o coração bater mais forte,
De
corpo e alma se entrega nesta sorte...
XXXIII
... E
quando eles se viram frente a frente,
Palavra
alguma então foi pronunciada,
Mas um
beijo selou de forma quente
O
encontro dessa noite apaixonada.
Grande
silêncio foi unicamente
Testemunha
da longa madrugada,
Que
viu nascer o amor sublime e puro
Que
iria eternizar-se no futuro!
XXXIV
Dentro
da noite imensa, ardentes beijos,
Foram
trocados pelos dois amantes,
E
quando os corpos, plenos de desejos,
Em
prazeres se uniram roçagantes,
Os
astros acenderam seus lampejos
E na
noite ficaram mais brilhantes,
Para
saudar no meio da floresta
As
almas que se uniam numa festa!
XXXV
E paz
tão pura assim, jamais foi vista...
Em
carinhos passeavam pelos prados
Que
abençoavam num canto de solfista
Esses
amantes tão enamorados...
Quando
a tarde morria, o sol em crista,
Mostrava
prismas mágicos, dourados...
E
rasteiros no chão, broslados goivos,
De
tálamo serviram para os noivos!
XXXVI
Na
doce paz, na bem-aventurança,
Por
esses mais exóticos recantos,
Os
dois viveram cheios de esperança,
Falando,
tão-somente, em doces cantos,
A
linguagem de amor que não se cansa
De
ouvir os corações que tem encantos.
–
Velho Jequitibá no alto cerrado
Celebrou
o Himeneu deste noivado!
XXXVII
Porém,
o Rio, que guardava em sua
Corrente
aquela essência de perfume
De um
corpo em provocante forma nua,
Do
moço pescador sentia ciúme...
Fora
ele que, ao reflexo de irial lua,
Roubara
a índia, que tinha por costume,
Nas
noites de luar esplendoroso,
Ir, em
seu leito, suspirar de gozo...
XXXVIII
Triste,
o Rio fazia a sua prece,
Para o
amor que o deixara abandonado.
Nas
noites de luar, sem interesse,
Ele
corria só, desamparado...
– Mas
um antigo amor jamais se esquece!
E eis
que a índia, tendo o coração marcado,
Em
certa noite que brilhava a lua,
Quis
ir banhar-se totalmente nua.
XXXIX
Mal
sentindo de perto aquele cheiro
Que em
frêmitos de amor o provocava,
Pôs-se
o Rio a rugir alvissareiro!...
Em
suas pedras tenazmente escava
Uma
cadeia e deixa prisioneiro
– Como
se fosse assim a sua escrava! –
Aquele
corpo esplêndido e perfeito
Que se
banhava nu sobre o seu leito!
XL
Porém,
o jovem pescador, sentindo
O
perigo real de sua Amada,
–
Músculos retesando, a voz bramindo,
Enfurecido,
não pensando em nada,
Entra
no Rio em destemor infindo
E
nadando, braçada após braçada,
Tenta
agarrar, na fúria que o norteia,
Seu
amor que está preso na cadeia!...
XLI
Travou-se
a intensa luta de gigantes...
O Rio,
para não perder aquela,
Por
quem nutria sonhos delirantes,
Enfurecido,
em uivos de procela,
–
Adamastor de presas penetrantes! –
Prendendo
a índia em pedregosa cela,
Estruge
em lutas, em saraivas, gritos,
Que
reboam nos vastos infinitos!
XLII
É luta
colossal!... No férreo embate
– Não
querendo perder a sua presa,
O Rio
não se cansa do combate...
E co’a
força da própria natureza
Não
deixa ao jovem, chances de resgate,
Arrastando-o
na sua correnteza,
Gritando,
praguejando em sobressalto,
Pois
de cadeias tinha agora o Salto!
XLIII
Ainda
hoje, quando brilha a lua cheia,
E
quando o Salto dorme por instantes,
Quem
estiver passeando junto à areia
De
suas margens, ouve delirantes
Gemidos...
É a índia presa na cadeia
Que
triste chora as mágoas dos amantes
Que
vivem sós dentro da imensa noite,
Sem
ter o amor antigo que os acoite.
XLIV
E
diz-se, quando brilha intensa a lua,
Se
ouvir a voz dessa sereia, um jovem
Entra
no Salto, e a busca, e se insinua,
As
cadeias febris loucas se movem
Para
ocultar a sua Iara nua...
E
parecendo enfim que dos céus chovem
Diluvianos
marnéis em alvoroço,
A alma
do jovem leva para o Poço!
XLV
As
lendas no falar de boca a boca,
Com
suas forças tornam-se verdades.
E o
sobrenatural com fúria louca
No
misticismo cria suas grades.
Se
alguém as conta de maneira rouca
Pondo
mistérios e calamidades,
Fica
verdade o que era apenas lenda,
E, em
quebrantos, o povo as reverenda.
XLVI
Por
isso a Inhala Seca ainda caminha
E
causa desespero nos descrentes.
Alma
penada sempre anda sozinha
E
nosso medo faz ranger os dentes.
Melhor
rezar sentida ladainha
Depois
d’alma tirar medos dementes;
Se
tudo está no plano dos mistérios,
Certo
será rezar nos cemitérios.
XLVII
Por
isso, com certeza toda lenda,
Tem
seu mistério imbuído de verdade.
O povo
a ouve, em preces referenda,
Que a
decifrá-la falta-lhe vontade.
No
duelo infernal de tal contenda
O
misticismo cresce na cidade.
E em
pérolas de luz cheias de glórias,
Vamos
tecendo colossais histórias.
XLVIII
São
lendas e crendices populares
Que
fazem parte ativa do folclore
De
nossas tradições já seculares...
Chiarini,
Iglesias, Neme e Carradore,
Desses
causos são velhos titulares,
E é
natural que as faces alguém core
Contando
essas histórias descabidas,
Mas
são histórias, sim, de nossas vidas...
XLIX
Acender
velas e fazer novenas
Aos
santos, nos quais temos nossas crenças,
Aos
Anjos, Querubins e às Madalenas,
Que
soltam suas radiações suspensas
E
podem, sim, com suas graças plenas,
Às
preces dar milhões de recompensas,
Nossas
lendas nos planos da verdade
Trazem
a luz da espiritualidade.
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